ENTREVISTA | Embaixada & Marco Beltrão: concursos são oportunidade para questionar e intervir na cidade
— 16.11.2018
Os vencedores do concurso “Conjunto edificado em Lisboa”, promovido pela EPAL com assessoria da OASRS, explicam as escolhas do seu trabalho a partir da leitura do Plano de Pormenor da zona de intervenção e da vontade em tornar “imperceptível a diferença entre cidade nova e cidade consolidada”
1- Por que decidiram participar neste concurso?
Esta é uma pergunta sempre ingrata, dada a conotação precária que a palavra “concurso” assume para os arquitectos. Contudo, a existência destes mecanismos de selecção não deixa de ser importante para debates mais ricos e sustentados sobre o futuro.
Na sua maioria a cidade é uma amálgama de projectos provenientes de investimento privado, muitas vezes pautados pela urgência no retorno de investimento e por curtos prazos no desenvolvimento das propostas, consubstanciando-se nem sempre da melhor forma e com consequências directas para cidade.
Ao lançar este concurso em parceria com a OASRS, a EPAL abre caminho a uma possibilidade de debate sobre a cidade, assumindo-se como interveniente activo nesta construção, e foi com base neste pressuposto de poder questionar, interagir, pensar e intervir sobre um troço de cidade, adjacente a Campo de Ourique, que surgiu o nosso interesse neste concurso.
2- Como descrevem a vossa proposta nos seus aspectos essenciais?
O lote, alvo de intervenção, encontra-se abrangido pelo Plano de Pormenor das Amoreiras. No entanto, o facto de a sua eficácia se encontrar suspensa, levou ao questionamento de uma vinculação a premissas de uma operação urbanística adiada.
Recuando a uma fase anterior ao Plano, a leitura do local (como ele se apresenta actualmente) consubstancia-se numa latente proximidade do Centro Comercial das Amoreiras (mas nem por isso óbvia, dada a quantidade de infra-estruturas que condicionam a envolvente); numa plausível relação com Campolide (também ela muito condicionada, por infra-estruturas e por significativas variações altimétricas) e numa inequívoca e directa proximidade ao bairro de Campo de Ourique, com todas as consequentes virtudes provenientes de um troço de cidade já consolidado e próximo do centro histórico urbano.
É com este pressuposto que a proposta procura questionar os parâmetros do Plano de Pormenor das Amoreiras, contrapondo-os com uma solução que reúne aquelas que se entendem como as naturais expectativas daquele troço de cidade:
1) A expansão linear da malha ortogonal de Campo de Ourique, transportando para este novo troço de cidade todas as especificidades do bairro confinante.
2) Uma primeira linha de edifícios que se configuram em quarteirões, subsequentes aos de Campo de Ourique, de modo a absorver as pré-existências da Rua de Campo de Ourique.
3) Uma segunda linha com um edifício em barra que se geometriza, na área de intervenção, paralelo à Rua Tomás da Anunciação.
4) Criação de um vazio (praça) de remate do prolongamento de Campo de Ourique, que protege os edifícios das infra-estruturas que condicionam a envolvente.
A estratégia de intervenção passa, assim, por assumir e reforçar uma ligação clara com o Bairro de Campo de Ourique, a ponto de se tornar imperceptível a diferença entre o novo troço de cidade e a cidade consolidada. Embora nunca esquecendo as ligações à restante envolvente, que continuam a ser garantidas, mas sempre dentro de uma hierarquia de prioridades capaz de respeitar os princípios urbanos inerentes à solução proposta.
3- Qual foi o maior desafio deste projecto e quais as soluções/preocupações encontradas?
Sem o intuito de simplificar, minorar ou desvalorizar os processos em arquitectura, na realidade, e neste caso em particular, não existiu nenhum desafio específico. Foi um processo que decorreu de forma natural e anormalmente fluída. Feita uma análise ao programa e ao local de intervenção extraíram-se várias premissas que serviram de arranque ao exercício; determinadas as premissas orientadoras, foi uma questão de ir aferindo o desenho até ao resultado final.
Efectivamente o lote em causa encerra uma grande especificidade, tanto do ponto de vista da complexidade topográfica, como do ponto de vista da relação urbana ambicionada para aquele terreno, e nesse sentido foi fundamental a interacção, ao longo do processo, com os Baldios – Arquitectos Paisagistas. Provavelmente parte da fluidez de todo o processo deve-se ao que foi um processo com regulares debates interdisciplinares.
4- Qual foi a estratégia adoptada para criar um edifício que se localiza numa das principais entradas de Lisboa?
A relevância que a área de intervenção tem para a paisagem, na chegada a Lisboa, pelo viaduto Eng.º Duarte Pacheco, é inquestionável, e a existência de um painel publicitário de grandes dimensões nesse lote é prova disso mesmo. Não seria sensato presumir por isso que o conjunto edificado a implantar nesta área estaria imune à relevância da sua localização e por esse motivo a proposta assumiu essa premissa durante o seu desenvolvimento.
A abordagem ao programa preliminar, que propõe a reorganização cadastral do Plano que enquadra o edifício proposto, acabou por estabelecer princípios urbanos que orientaram a concepção do novo edifício para a opção de compactação programática: um edifício em barra; um prisma vertical, que segue a lógica cadastral de Campo de Ourique. É nessa lógica cadastral que se pode evocar um conjunto de edifícios notáveis da paisagem urbana de Lisboa, também eles, dispostos em barra e destacados dos demais circundantes, sendo o Hotel Ritz o exemplo mais claro dessa especificidade.
Com uma escala de programa funcional próxima à do Hotel Ritz, começou a tornar-se clara a ideia de estabelecer um Bloco habitacional como contraponto ao hotel. Nos dois casos existe um edifício organizado em “barra”, dispostos perpendicularmente a um eixo principal viário e com uma escala e preponderância superior à dos edifícios envolventes, emergindo de um maciço arbóreo. Se um marca o “início da saída da cidade”, neste caso o Ritz, o novo edifício, implantado do outro lado do eixo viário que começa na Rua Joaquim António de Aguiar e termina na Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, passaria a marcar o “início da Chegada à Cidade”.
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Colectivo vencedor do concurso "Conjunto edificado em Lisboa": os debates interdisciplinares contribuíram decisivamente para responder ao programa e ao cuidado a ter com o lugar de implantação do novo edifício