ENTREVISTA | Arquitecto Carlos Veloso, vencedor do Open Call Bairro das Artes 2018
— 17.09.2018
1. Porque decidiu participar?
Porque ao ler o regulamento do Open Call - 9.ª Bairro das Artes surgiu a ideia de promover um veículo para “ver” a arquitectura. Depois, materializou-se em uma espécie de um objecto híbrido, metáfora de um instrumento óptico, ou talvez, do nosso próprio olhar para ver a arquitectura e a cidade. Ao mesmo tempo abre-se a possibilidade de abordar outros campos de análise a partir do uso deste dispositivo. Solução que se aproxima da máquina fotográfica em relação a uma certa definição de posição, enquadramento visual e de imobilidade temporal. Trabalho prévio de um fotógrafo?
2. De que forma a proposta de intervenção pode ajudar a sensibilizar o público em geral para a temática da arquitectura?
A sensibilização em geral do público para o campo das Artes em geral e da Arquitectura em particular não é um trabalho fácil. Sobretudo porque a formação escolar corrente é incipiente na transmissão e aquisição de conhecimentos nesta área. Precisamos que a formação escolar nos diversos níveis de ensino esteja também direccionada para a arquitectura para a cidade e para a paisagem.
Até à data, a par da educação física, nunca foi dado o devido valor em relação a esta área do conhecimento. Bruno Zevi, quando escreveu o seu livro “Saber ver a arquitectura”, em 1948, dizia que o público se interessava por pintura e escultura, por música e literatura mas não por arquitectura, e que a própria imprensa se esquecia… de facto, passadas todas estas décadas, o ensino não contribuiu para eliminar este estigma. Naturalmente, ao longo da crescente modernidade do país, a arquitectura foi ganhando alguma visibilidade e reconhecimento, seja através de obras de arquitectos notáveis, (reconhecidos primeiro fora portas…) seja pela crescente qualidade das arquitecturas que vão pontuando o país, ainda não de forma generalizada e destacada.
Aproveito a oportunidade para relembrar que a Assembleia da República permitiu que outros técnicos, sem formação específica em Arquitectura, possam conceber arquitecturas. Por decreto permite a desvalorização de uma classe profissional que, bem ou mal, é responsável pela construção física do país. O arquitecto andaluz Alberto Campos Baeza, em um pequeno texto intitulado de "O sonho da razão produz monstros”, refere o seguinte: “(…) A intuição como instrumento de todo o criador não é algo cego, nebuloso ou difuso. É a destilação certa de um conhecimento profundo. A intuição do arquitecto não é igual à de um feiticeiro tribal que toma as suas decisões com uma arbitrariedade caprichosa envolta em magia. É, antes, semelhante à do velho médico que, conjugando o seu enorme conhecimento e a sua vasta experiência, acerta com justeza no diagnóstico. Aquilo que sempre vi no meu pai, cirurgião eminente, que, tendo operado muito e muito bem, voltava sempre a estudar antes de cada nova intervenção. Com uma constância admirável.” (Campos Baeza, A Ideia Construída, p. 12). Na verdade, a habilitação para pensar e construir a arquitectura e a cidade é antes de mais uma questão estrutural de educação e formação contínua…
3. Como é suposto as pessoas apropriarem-se das estações de observação?
O exercício proposto a partir de um conjunto de “estações” é uma preparação para uma espécie de consciencialização da focalização. A peça desenha a motivação e a estadia para praticar (fixar) o olhar, que é o princípio do desenhar. A necessidade de induzir a utilização do “óculo” a partir do escadote é uma necessidade de poder captar o público. As estações de observação irão estar colocadas no espaço público, e portanto poderão ser utilizadas ou não. A curiosidade despertará o eventual interesse. Será também uma experiência para avaliar a disponibilidade do público perante o artefacto.
Cada estação prevê um trabalho de casa (TPC), um estímulo acessório que consiste em deixar uma opinião sobre a imagem que a estação determina. A localização e o número de estações visa mostrar diferentes temas de arquitectura e de relação da pessoa com a cidade dentro da área de intervenção previamente definida. É também, de alguma forma, um campo exploratório de usar e percorrer, o de encontrar, a partir de um território que nos é familiar que é a cidade onde nos movemos naturalmente.
4. O que levou à escolha da zona da cidade onde vão estar as dez estações e como funcionam as linhas de atracção criadas?
A área estava previamente definida e a escolha dos dez locais tem a ver com a possibilidade de formar um percurso; ao mesmo tempo os locais foram aferidos pelos temas que podem ser abordados, a relação entre interior e exterior, entre a entrada e o espaço público, o jardim e a arquitectura, a fachada e linguagem, o monumento e o seu enquadramento, a composição urbana, a vida da rua, etc..
5. A arquitectura efémera pode fazer sentido de que forma?
A arquitectura efémera representa toda a arquitectura, a diferença é só uma questão de resistência ao tempo. Pode ter uma linguagem adequada ou não ao seu tempo de vida. O Arquitecto Eduardo Souto de Moura desenhou uma belíssima capela para o Pavilhão da Santa Sé na Bienal de Veneza, com blocos de pedra, e que parece ter nascido do tempo dos gregos clássicos. Mas é um exercício que parte de uma encomenda com base na produção de uma arquitectura efémera, no entanto, ela é de uma leveza extraordinária e que produz ao mesmo tempo um espaço de grande permanência física e temporal.
6. Que comentário lhe merecem as recentes intervenções no espaço público da cidade de Lisboa?
Se analisarmos a representação e o levantamento topográfico que originou o Atlas da Carta Topográfica de Lisboa de 1856-1858, sob a direcção de Filipe Folque,obtemos um conjunto de informações preciosas sobre a forma física, dos seus limites e dos seus prolongamentos no território. A cartografia dá a leitura de uma visão geral da forma da cidade naquele período e da sua organização espacial, e, ao mesmo tempo, ajuda a formular uma consciência maior das transformações que se seguiram.
Permite-nos também perceber o seu território preenchido por edifícios, espaços agrícolas e arborizados e naturalmente dos vazios (terrenos expectantes ou não). Ao mesmo tempo dá-nos a informação preciosa do tipo e natureza do espaço público existente e do espaço privado que foi transformado em espaço público até aos nossos dias. A representação do espaço nesta cartografia não distingue rodovia e passeios, esta distinção funcional (inexistente) será adoptada mais tarde, no início do século XX, nas novas expansões da cidade. Apenas os largos, praças e passeios públicos são desenhados na maioria dos casos a partir de arborização alinhada que configura os espaços.
Deste registo histórico percebe-se que a cidade se confinava entre o Chiado e Alfama e as zonas residenciais eram a encosta de Sant’Ana, o Príncipe Real e a Lapa, curiosamente sítios antigos que foram desenvolvidos com a ajuda de antigos caminhos de acesso a Lisboa. Essa estrutura de caminhos foi de alguma forma perpetuada e transformada em novos desenvolvimentos urbanos e que se pode ler em justaposição com a cartografia contemporânea.
A partir dos trabalhos de levantamento da Planta de Lisboa, período entre 1904 e 1911 e no início da expansão da cidade, com as Avenidas Novas, é que surgem preocupações ao nível da higiene urbana, à semelhança do que já ocorria em outras capitais europeias. Não deixa de ser curioso que a primeira preocupação nesta fase de desenvolvimento seja a higiene urbana, e ao mesmo tempo, o espaço público pré-existente enquanto espaço de suporte e de leitura da arquitectura não pareça sofrer quaisquer ajustes à época. Quero com isto dizer, que o espaço público, independentemente do seu valor urbano em cada época, a forma do espaço público não é alterada significativamente, apenas sofre ajustes ao nível dos conteúdos/usos em resultado de lógicas à escala da cidade.
Actualmente, o tema de preocupação e de intervenção da cidade de Lisboa concentra-se também numa espécie de higienização urbana, a um nível mais complexo da cidade: nas políticas de sustentabilidade ambiental, o desafio do paradigma da mobilidade, da estrutura ecológica, da gestão de resíduos e da eficiência energética.
Pode-se afirmar que o tema da higienização urbana parece ser o mote que motivou também as transformações operadas no início do século XX, em direcção à modernidade. Das intervenções recentes no espaço público, estando certas as preocupações estéticas, as formalizações espaciais aproximam-se da escala da cidade do princípio do século XX, quando se vêem muitas soluções de intervenção que colocam em conflito as lógicas da pedonalização e a do veículo automóvel. O espaço público é particularmente diferenciado e que traduz também a relação que estabelece com cada fragmento ou parte que compõe a escala da cidade. E como tal é difícil implementar uma estrutura de layers que possa dar uma resposta global ao tema da mobilidade e da espacialidade urbana sustentável.
É preciso saber primeiro (ou tomar a consciência a partir da leitura física da cidade de Lisboa), o que ela é ou quererá ser, para se poder traduzir em uma resposta física concreta. Correndo-se sempre o risco de se ter uma ideia e que não possa ser traduzida em soluções espaciais e arquitectónicas concretas e da sua transformação actual e futura.
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Curriculum Vitae | Carlos Veloso | Guarda, 1970
Exerce a actividade profissional em Arquitectura, Urbanismo e Design desde 1994, funda em 1999 o atelier AVA – Atelier Veloso Arquitectos, Lda. Actualmente exerce funções de docência na área de Projecto no curso de Arquitectura do DECA da UBI. Doutorando do Curso de Doutoramento em Arquitectura do IST com o programa de trabalhos designado provisoriamente de: “O valor da representação na comunicação de um conteúdo utópico urbano: alcance, estratégia e significado”. Foi docente no curso de Design de Ambientes da ESTG-IPVC e do curso de Arquitectura da Universidade Católica em Viseu e na Escola Universitária Vasco da Gama (EUVG). Em 1998 foi-lhe atribuído o Prémio Eng. António de Almeida. Pós graduação em Planeamento e Projecto do Ambiente Urbano - FAUP/FEUP/UP em 1997. Licenciatura em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 1996. Realizou estágio profissional em 1995 no Centro de Estudos da FAUP. Convidado a participar em diversas exposições e conferências e o seu trabalho profissional tem sido nomeado para vários prémios de arquitectura nacionais e internacionais bem como publicado em diversas ocasiões e premiado em diversos concursos públicos de arquitectura.
Publicações
Portuguese Modern Apartments, José Manuel das Neves, Editor, Uzina Books, Lisboa, Nov. 2015.
IGLOO, Habitat & Arhitectura Vol. 166, Octombrie 2015, Bucaresti, Romania - Publicação Projecto “Bar La Bohéme”
WEIN + RAUM, Architektonische Konzepte zum Prasentieren, Probieren und GenieBen, Detail, 2014, Munique.
Portuguese Contemporary Houses, José Manuel das Neves, Editor, Uzina Books, Lisboa, Nov. 2013.
Designing Architecture, Dalian University of Techology Press C. LTD., Dalian, 2013.
Atelier Veloso Arquitectos, José Manuel das Neves, Editor, Uzina Books, Lisboa, Out. 2012.
DESIGN, n. º 169, February & March 2013 Bimonthly.
Art on Chairs – International Design Competition, Editorial Blau Lda., 2.ª Edição, Lisboa, Set 2012.
LET´S GO OUT! Interiors and Architecture for Restaurants and Bars, Gestalten, Berlin, Set 2012.
HYBRIS MAGAZINE, n.º 1, Julho 2012.
SURFACE – Legends at Work, n.º 94, May/Jun 2012.
ATTITUDE INTERIOR DESIGN, n.º 45, May/Jun 2012.
TRAÇO 04, n.º 7, Dez 2011 – Jan/Fev 2012.
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Inovar na Habitação, Construir a Cidade – Catálogo Associação Europan Portugal 1999.
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Páginas Negras – Anuário (1991/92) - AE FAUP.
Revista ecdj. 8 (editorial edarq do Departamento de Arquitectura da FCT - UC).