ENTREVISTA | ​Museu de Peniche: um “espaço de conhecimento e memória”

— 12.07.2018


O projecto vencedor do Concurso para a Fortaleza de Peniche, lançado pela Direção-Geral do Património Cultural com a assessoria técnica da OASRS, foi ganho pela equipa do atelier AR4, coordenada pelo arquitecto João Barros Matos.


Doutorado em Arquitectura pela Universidade de Sevilha e Mestre em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico pela Universidade de Évora (UE), Barros Matos é licenciado em Arquitectura pela FAUTL e possui prática de projecto de arquitectura desde 1990.


É docente, desde 2014, do Doutoramento em Arquitectura da Universidade de Évora e, desde 2002, do Mestrado Integrado em Arquitectura da mesma universidade. Foi director do Mestrado Integrado em Arquitectura da UE entre 2013 e 2017 e é Adjunto do Director de Departamento desde 2016.


Na qualidade de arquitecto da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, cargo que ocupou entre 1996 e 2004, Barros Matos foi responsável por obras de conservação, recuperação e adaptação em diversos edifícios classificados. Possui ainda experiência em Investigação em arquitectura e publicações nas áreas de projecto, metodologias de intervenção sobre património e arquitectura militar na expansão portuguesa.


O arquitecto tem várias obras premiadas e publicadas em revistas da especialidade, entre as quais a Estalagem da Casa Branca no Funchal, em coautoria com João Favila, Prémio de arquitectura da cidade do Funchal 2002, nomeação para o Prémio Mies Van der Rohe, Barcelona, e para o Prémio Secil, Lisboa.


Colocamos-lhe três perguntas que ajudam a compreender as suas motivações, os desafios que enfrentou e o que imagina venha a ser o futuro Museu Nacional da Resistência e da Liberdade.


Pergunta - Porque concorreu a este concurso?


Resposta - O tema do concurso corresponde às áreas de projecto e de investigação em que tenho trabalhado, nomeadamente em termos de metodologias de intervenção sobre património construído e arquitectura militar do período da expansão portuguesa. Neste concurso reconheci ainda outras condições favoráveis. Primeiro, o facto de ser um concurso anónimo em que a avaliação recai exclusivamente sobre a qualidade do projecto de arquitectura. Depois, o facto de o júri ser constituído por arquitectos e um designer, todos de reconhecida qualidade, aptos a reconhecer os mesmos códigos com que trabalhamos e com garantias de idoneidade. Por fim, a visita ao local foi crucial para a decisão de concorrer, ao confirmar o potencial que a fortaleza-prisão possui e ao estabelecer algumas ideias base que me pareceram sólidas para a realização de um bom projecto. Quanto ao processo de concurso devo elogiar as instituições envolvidas pelo modo como souberam garantir a transparência de procedimentos.


P - Quais são os desafios de trabalhar com um edifício com esta carga histórica?


R - A fortaleza-prisão existente é o resultado da sobreposição de sucessivas fases de construção, da construção fundacional do século XVI, às ampliações do perímetro abaluartado e à adaptação a estabelecimento prisional. Interessa-me a ideia de museu como sobreposição de tempos. Um museu que se materializa na sobreposição de camadas construtivas e na articulação entre diferentes tempos. De um modo geral, identificam-se três tempos: o tempo da fortaleza, o tempo da prisão política, durante o regime do estado novo, e o tempo do novo museu, em liberdade e democracia, com o reconhecimento da importância do conhecimento e da consciência do passado. Neste âmbito, gosto de pensar que conservar, adaptar e construir de novo são acções complementares, parte de um mesmo processo, e que esse processo está na génese do próprio projecto museológico.


P - Como vê o futuro Museu Nacional da Resistência e da Liberdade?


R - Imagino o futuro museu como um espaço vivido pelos habitantes locais e por visitantes. Um conjunto de edifícios e de espaços que transcende a ideia mais convencional de museu e integra uma série de programas complementares com diferentes valências, atraindo pessoas com diferentes interesses, privilegiando sempre a comunidade local. No núcleo central, a recepção e o pátio da cisterna com o bar/cafetaria, são espaços vividos e frequentados.

A exposição permanente do Museu da Resistência e da Liberdade, com conteúdos interessantes e rigorosos, segue um percurso que inclui a passagem pelos edifícios das antigas celas e os pátios da antiga prisão. Como complemento ao museu existem: centro de documentação, biblioteca, gabinetes de investigação, arquivo, centro educativo, espaços de apoio à comunidade, espaços de exposições temporárias, entre outros.

No seu todo, concebo um lugar em que antigos presos e outras pessoas, que conheceram de perto a antiga prisão, reconheçam os antigos edifícios e vejam como são ocupados, hoje em clima de liberdade, integrando a vida da cidade. Um espaço de conhecimento e de memória, mas também um espaço que os habitantes locais e os visitantes possam percorrer e habitar livremente, onde possam vir namorar, ler um livro ou beber uma garrafa de vinho junto à muralha, visitar os espaços mais escondidos da antiga fortaleza, consultar a net, correr, andar de skate ou simplesmente ver o mar.


CV de João Barros Matos aqui


A Exposição dos trabalhos concorrentes ao Concurso para o Museu da Fortaleza de Peniche estão patentes no Museu de Arte Popular, em Lisboa, até ao dia 16 de Setembro. A entrada é livre. Saiba tudo aqui